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terça-feira, 26 de outubro de 2010

BUARQUES DO MUNDO

Com que então, o herói das músicas censuradas, trombeteiro das liberdades cidadãs, fez-se menino-propaganda dos amigos de Collors e Sarneys, endossando, sem culpa, toda essa fileira de estranhas amizades, tão bem aceitas e consolidadas por nosso atual presidente: ditadores fascínoras, praticantes implacáveis de coronelismos manjados, propineiros profissionais, primos/filhos/tios/consanguíneos de ‘gente graúda’ do alto escalão da governança pátria... - nada de novo, afinal, que seria injusto acusar o lulismo de inventar a corrupção e o oportunismo patológico no Brasil. Mas, vale repetir, porque não é para esquecer: nada de novo.

Chico Buarque de Holanda, em honrosa aparição de propaganda eleitoral, nos avisa - com propriedade de paladino satisfeito e discernimento de professor bem empossado – que Dilma ‘provou’, indiscutivelmente (leia-se, na marra), a sua competência. Para ele, parece não restar dúvidas acerca disto.

Competência é um potencial de fazer e de ser, que, de fato, ajuda a definir a consistência da identidade dos indivíduos, e também sua respeitabilidade. Dilma Rousseff está cumprindo sua agenda petista, e, por ora, vai compondo uma engrenagem partidária que certamente vai muito além dela própria. Todavia, juro que me pergunto, que engrenagem estará compondo Chico Buarque de Holanda, em face de tantas outras composições suas, geradas antes, quando reagia, e fazia reagir, ao imoral e ao anti-ético nacional...?

Sua competência para fazer músicas-ícones do repúdio às ditaduras gulosas de poder civil só se motivava pela aparição de mundos futuros e formidáveis, a surgirem depois da ‘grande libertação’, acertadamente promovida por algum 'messias' iluminado...? Afinal, será que esses intelectuais heróicos, que tanto nos souberam inspirar no passado, só sabem lidar com sonhos e devaneios adolescentes enquanto esses sonhos ainda não se tornaram possibilidades reais...? Pois que, quando o sonho é colocado em prática, os homens voltam a aparecer por inteiro – bons e maus ao mesmo tempo, e não só mestres bondosos de olhar condescendente e puramente sábio...A vida real não é um paraíso de céus perenemente azulados... e, de fato, à parte os sonhadores de mundos sempre iguais a si mesmos, dignos de Eldorados cristalizados, terá, mesmo, esta vida real, que ser monocromática, azul, azul e azul...?. A falta de diversidades é sempre prenúncio de esterilidade na Natureza, e, igualmente, de ortodoxia religiosa, seja qual seja o credo professado...

Jogar uma ditadura no chão é uma coisa. Deixar de cometer vícios culturais arraigados em alguns séculos de história e mentalidades discutíveis é outra, bem diferente...Ao fim e ao cabo, as músicas do Chico são lindas, mas a mentalidade basal do brasileiro – governante e governado – é bem a mesma contra a qual o artista se insurgiu no passado, e hoje, inconsistentemente, abraça no presente...Essa inconsistência, infelizmente, torna suas músicas mais vazias dele mesmo, menos plenas de um Chico Buarque de Holanda que soube ser firme no sonho, mas rarefeito demais na realidade.

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