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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

IMPRENSA LIVRE, MINHA GENTE


Essa palhaçada crescente de governos querendo operar um 'controle social' (leia-se AUTORITÁRIO) da mídia ostenta uma cara-de-pau repulsiva: os meios de comunicação são parte atuante e necessária de qualquer sociedade sã; se e quando algum de seus componentes desrespeita as leis de um país, então, bem, caberá contra ele o devido processo legal. Nossas leis JÁ DEFINEM O QUE É DELITO E O QUE NÃO É, e, como diz o conhecido preceito constitucional - "ninguém é obrigado a fazer, ou a deixar de fazer, o que quer que seja, a não ser em virtude de lei". Por que um jornalista não pode investigar e informar indícios devidamente documentados de fatos suspeitos??? Por que essa sua função de pesquisar e dizer tem sido pintada pelo governo petista como 'errada' ou 'nociva'??? Nociva para quem...?

Políticos querem calar a boca de jornalistas para que estes não informem mais sobre todos os desvios, impropriedades e ilegalidades que aqueles praticam quando conseguem colocar a mão nos recursos públicos, que são gerados por todos nós!!! Afinal, pagamos impostos, antes de mais nada, para gerarmos gordos 'fundos' para mensalões, superfaturamentos e pagamentos/provimentos megalomaníacos de parlamentares e governantes deste país??? Eles são a ‘realeza’ e nós os 'servos da gleba'...? Qual é...??

Eu quero os jornalistas fazendo a função deles, sim!! Governante e político não é rei, nem pai, nem mãe - eles devem estar a serviço de sua nação, e não se colocarem no papel de donos das coisas públicas! A coisa pública é PÚBLICA - TODOS NÓS contribuímos para que ela exista; por isto é que, ao fazermos nosso imposto de renda, somos chamados de CONTRIBUINTES!! Quem contribui tem o direito de saber aonde a grana cedida está indo; e, claro, não poderão ser os 'gastadores oficiais' aqueles que nos 'informarão' a ‘verdade verdadeira’ acerca do destino desses recursos todos, juntados a partir de um sem número de brasileiros contribuintes.

Mídia amordaçada quer dizer FARRA NÃO FISCALIZADA. Não nos esqueçamos – esses indivíduos da vida pública são sustentados por nós, contribuintes, para administrarem o país – nem mais, nem menos. Devem, sim, satisfações por seus atos; não se podem negar, não, a esclarecer escândalos e fatos suspeitos que os envolvam, durante seus mandatos e gestões! Caramba, eles não são nossos patrões! São nossos MANDATÁRIOS – isto quer dizer que têm, a partir de nosso voto, uma espécie de ‘procuração política’ para governarem/administrarem o país EM NOSSO NOME. Eles não têm que ficar isentos de fiscalização e averiguação midiática, porque nos devem satisfação, sim, sim, sim, e sim.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

BUARQUES DO MUNDO

Com que então, o herói das músicas censuradas, trombeteiro das liberdades cidadãs, fez-se menino-propaganda dos amigos de Collors e Sarneys, endossando, sem culpa, toda essa fileira de estranhas amizades, tão bem aceitas e consolidadas por nosso atual presidente: ditadores fascínoras, praticantes implacáveis de coronelismos manjados, propineiros profissionais, primos/filhos/tios/consanguíneos de ‘gente graúda’ do alto escalão da governança pátria... - nada de novo, afinal, que seria injusto acusar o lulismo de inventar a corrupção e o oportunismo patológico no Brasil. Mas, vale repetir, porque não é para esquecer: nada de novo.

Chico Buarque de Holanda, em honrosa aparição de propaganda eleitoral, nos avisa - com propriedade de paladino satisfeito e discernimento de professor bem empossado – que Dilma ‘provou’, indiscutivelmente (leia-se, na marra), a sua competência. Para ele, parece não restar dúvidas acerca disto.

Competência é um potencial de fazer e de ser, que, de fato, ajuda a definir a consistência da identidade dos indivíduos, e também sua respeitabilidade. Dilma Rousseff está cumprindo sua agenda petista, e, por ora, vai compondo uma engrenagem partidária que certamente vai muito além dela própria. Todavia, juro que me pergunto, que engrenagem estará compondo Chico Buarque de Holanda, em face de tantas outras composições suas, geradas antes, quando reagia, e fazia reagir, ao imoral e ao anti-ético nacional...?

Sua competência para fazer músicas-ícones do repúdio às ditaduras gulosas de poder civil só se motivava pela aparição de mundos futuros e formidáveis, a surgirem depois da ‘grande libertação’, acertadamente promovida por algum 'messias' iluminado...? Afinal, será que esses intelectuais heróicos, que tanto nos souberam inspirar no passado, só sabem lidar com sonhos e devaneios adolescentes enquanto esses sonhos ainda não se tornaram possibilidades reais...? Pois que, quando o sonho é colocado em prática, os homens voltam a aparecer por inteiro – bons e maus ao mesmo tempo, e não só mestres bondosos de olhar condescendente e puramente sábio...A vida real não é um paraíso de céus perenemente azulados... e, de fato, à parte os sonhadores de mundos sempre iguais a si mesmos, dignos de Eldorados cristalizados, terá, mesmo, esta vida real, que ser monocromática, azul, azul e azul...?. A falta de diversidades é sempre prenúncio de esterilidade na Natureza, e, igualmente, de ortodoxia religiosa, seja qual seja o credo professado...

Jogar uma ditadura no chão é uma coisa. Deixar de cometer vícios culturais arraigados em alguns séculos de história e mentalidades discutíveis é outra, bem diferente...Ao fim e ao cabo, as músicas do Chico são lindas, mas a mentalidade basal do brasileiro – governante e governado – é bem a mesma contra a qual o artista se insurgiu no passado, e hoje, inconsistentemente, abraça no presente...Essa inconsistência, infelizmente, torna suas músicas mais vazias dele mesmo, menos plenas de um Chico Buarque de Holanda que soube ser firme no sonho, mas rarefeito demais na realidade.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

FOME DE NARCISO

“Não se pode ter uma democracia desenvolvida com uma educação subdesenvolvida” (Corey Booker, Prefeito de Newark, NJ).

Não é preciso ler em jornais, ou em revistas usualmente tidas como polemistas em nosso país – basta vê-lo (ou ouvi-lo) falando, de própria voz, para saber que espécie de política sectarista/maniqueísta tem procurado imputar à nação brasileira. Sua insistência na mesma ‘tecla’ foi sendo tão sistemática que não nos permitiu ter, sequer, dúvidas, sobre seu intento – Luiz Inácio Lula da Silva, antes de perseguir qualquer ‘progresso’ nacional real, buscou preparar um terreno em que se pudesse transformar em herói, em vulto público, erigido a partir do analfabetismo, mas, não obstante, continuando adepto da ignorância geral, como quem se apega a um amuleto ou a um triunfo. Uma vez que sua clientela ‘protegida’ não precise, ao que parece, de grandes alfabetizações, por que, e para que, haveria de necessitar de imprensa livre, jornais e revistas questionadoras, entre outras coisas, das ações governamentais...? Um degrau leva a outro, não resta dúvida...

Lula gosta do palco, e do poder – o que dá quase no mesmo...Ao polarizar (‘eles’ x ‘nós’), ao demarcar, restritiva e aprioristicamente, o lugar nacional do ‘BEM’ (onde ele se encontra) e o do ‘MAL’ (onde estão todos os que lançam qualquer crítica ao seu governo), reserva para si, nada mais, nada menos, que o assento redentor final, da excelência final e indiscutível – porque sim, porque ser poderoso e brincar de herói insuperável é fantástico, desde a época em que somos/fomos crianças...

Todavia, para aquém dos eventos da política humana, o que temos estampado nos cenários públicos não deixa de ser banal, sob um ponto de vista psíquico e comportamental – temos narcisismo e egocentrismo, em ativa e insaciável busca de auto-confirmação, necessidade voraz de ser o centro das atenções e aí manter-se, se possível, para sempre – sem dar espaço a outros centros de atenção, por certo (o que significaria, desnecessariamente, para ele, um exercício saudável de democracia). Agora, qualquer crítica ou oposição que se lhe faça vem ‘do lado escuro da força’..., e, lógico, deve ser combatido e impedido de permanecer lado a lado com o ‘BEM’ (que está com ele, e aí deve continuar...).

Para povos especialmente imaturos sob o ponto de vista emocional, é mais fácil não superar o narcisismo infantil e desenvolver um vício cego e compulsivo pelo poder, traduzido em ditaduras e projetos megalomaníacos de implantação do paraíso sobre a Terra – em que, certamente, as populações pouco estudadas e também emocionalmente imaturas, terão todo o prazer de acreditar.

Não há mal algum em se ter uma origem humilde e vencer socialmente - ao contrário. O que parece inadmissível é glorificar a carência cognitiva presente nessa humilde origem para, na verdade, eternizar o quanto se possa o momento do palco e da própria fama bem-sucedida.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

MÍDIA EXPIATÓRIA

" ‘Neste governo, publica-se o que quiser. A imprensa é livre, o que não quer dizer que [sic] é boa’. (...) Sem a regulação, o setor vira ‘terra de ninguém’ ” (Franklin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social). Estadão.com.br | 07 de outubro de 2010 | 16h 29.

A imprensa é livre, o que não quer dizer que seja boa... Que está havendo, pessoas? Que quer dizer, exatamente, um ministro de comunicações afirmar que o fato de a imprensa ser ‘livre’ não quer dizer que seja ‘boa’...? Estamos num regime de autoritarismo tal que o ministro de comunicações decide, em fala 'lapidar', se a imprensa é ‘boa’ ou ‘ruim’...? Um indivíduo??? Que há com as verdades desses governantes e administradores auxiliares, que se fundam empertigadamente unilateriais e repressivas?? Que noção têm eles de verdade? Verdade ‘única’, verdade de seus ‘donos’ e poderosos proferidores?? Verdade é algo que se deve pré-estabelecer/ditar para, então, ser repetido, roboticamente, como ‘verdade’...?? Vem de uma boca só, de um cérebro só, de um padrão só de ser...??! Devem ser vistos, os cidadãos, como bocós produzidos e alimentados em ‘escala industrial’, inclusive no que tange à alimentação cognitiva e cultural...?? Teremos um index papal, a nos dizer que textos devem ser proscritos, porque não ecoam as verdades ratificadas pelos avatares redentores do Brasil...?? Bem, se for assim, não será novidade.

Convivemos (para apenas lembrar o passado próximo) com a censura parida pelo Golpe Militar de 1964 por cerca de vinte anos – o beabá dessa cartilha notadamente autoritária ainda se guarda em memória fresca – livros proibidos de serem usados nas escolas, ou expostos em bibliotecas, ou vendidos em livrarias...; filmes vetados; peças teatrais vetadas; letras de músicas amordaçadas; jornais ostentando receitas de bolo para indicar “aqui jaz um desejo de notícia impedida de sair...”.

Faz bem pouco tempo, minha gente. Pouco tempo demais, para o meu gosto...Nasci na ditadura militar. Não sou rica, nem política, mas cidadã eu sou. Não elegemos governantes para que nos digam o que deve ser lido e ouvido como ‘verdade’, e o que não. Porque não elegemos gurus, orientadores espirituais, padres da nossa comunidade. Está faltando precisão nos modelos e nas condutas brasileiras deste instante de nossa história, eis aí.

Vamos definir um pouco as coisas? Pois bem, falemos primeiro da suposta ‘falta de regulação’ da imprensa, que a faria virar ‘terra de ninguém’. ‘Regulação’, num sentido geral, remete a algo chamado lei. Será mesmo que a imprensa está ‘solta’, no ‘velho oeste’ da palavra escrita e noticiosa, empunhando seus revólveres malevolentes contra os pobres seres ‘verdadeiros’ que despencaram diretamente do paraíso celeste aqui para nossa Terra de Vera Cruz...? Não, não é verdade. Existe algo chamado Código Penal Brasileiro; também um Código Civil Brasileiro, para começo de conversa. O Código Civil regulamenta os direitos civis em geral; direito civil se opõe a direito público – a imprensa livre é de autoria civil; o Diário Oficial, por outro lado, constitui imprensa pública. O Código Penal indica o que se considera delito penal, crime ou contravenção: quer dizer, se você fizer alguma coisa do jeito que está descrito nesse código, você é ‘enquadrado’ por aquele tipo penal (=a descrição do ato proibido). Também aqui, temos um código (e algumas leis complementares a ele) que descreve situações gerais que devem ser vistas como crime.

A imprensa é, em si mesma, um grande conjunto de vozes que, fundamentalmente, tem por objetivo a notícia. Ao noticiar fatos e/ou comentá-los, desde logo, há limites impostos pelo direito civil e pelo direito penal aos órgãos noticiadores – noutros termos, há parâmetros legais prévios para a atividade jornalística, na medida em que imprensa e jornalistas compõem a sociedade cidadã do país, e, como tais, devem obedecer os preceitos civis e penais de base, em vigor.

Mas há algo mais, de importante, para além e aquém da questão regulatória (=legal) da imprensa. Trata-se da própria definição de notícia, e comentário de notícia, alma desse fazer jornalístico.

O termo notícia vem do latim notitia, =‘fato que se faz conhecer, notar, perceber’; ‘noção, idéia’; ‘documento’. A notícia refere-se a fatos que são trazidos à percepção, da forma como foram colhidos – vêm à baila justamente para serem averiguados, e, por definição, tratam de indícios, dados iniciais, e não de conclusões finais (ao menos quando um tema novo aparece). Não haveria sentido em termos imprensa (livre) se ela só devesse noticiar os portanto de todas as coisas...! O órgão julgador final do Estado chama-se poder judiciário – é ele que decide as lides, os impasses sobre o que fere ou não fere as leis. A Imprensa não é órgão julgador, é órgão divulgador, a rigor, de indícios de fatos, que, então, devem ser averiguados e, eventualmente, julgados pelo poder competente.

Portanto, e por deus, chega dessa palhaçada de ‘sugerir’ que toda a imprensa nacional dever-se-á transformar em Diário Oficial...(!!). “Imprensas oficiais”, por natureza, cospem ‘versões oficiais’ sobre nós-surdos-cegos, que é em que sempre nos transformamos, quando qualquer tipo de censura é imputada sobre os órgãos de informação. Se alguém se sente lesado em seu direito, em virtude de uma ‘falsificação da verdade verdadeira’, operada pela imprensa, faça como sempre se fez: requisite a ação do judiciário, como todos os humildes mortais têm de fazer quando se vêem analogamente lesados em seus direitos. Calar a imprensa antes dela se pronunciar, com censura, é querer estar acima da lei - algo típico de Estados que devem ser devidamente nominados como Ditaduras ou Estados de Exceção.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

DEPRESSÃO É TRISTEZA?

"Com quanta tristeza se faz uma depressão?", indaga Patrícia Porchat* em artigo à revista Viver Mente & Cérebro (edição 212 / Setembro 2010), ao mesmo tempo em que cita e defende a posição de Allan Horwitz e Jerome Wakefield, que, em seu livro, A tristeza perdida, criticam “diagnósticos [de distúrbios mentais] que ignoram a relação entre os sintomas e o contexto [de vida] do paciente”. A autora se coloca contrária ao que considera a patologização do sofrimento, quando um indivíduo é diagnosticado portador de depressão.

Então – com quanta tristeza se faz uma depressão...? A rigor, com nenhuma. O intento de mesclar equivocadamente os conceitos de depressão e tristeza está muito longe de representar uma novidade - aventada por leigos (na maior parte dos casos) e, mesmo, por alguns estudiosos do mundo psíquico humano – psicólogos, e psiquiatras com maior predileção por explicações metapsicológicas dos fenômenos mentais, em detrimento das explicações neurobiológicas, propriamente ditas. Infelizmente, confundir tristeza com depressão é uma imprecisão de conduta que pode acarretar sofrimento adicional a quem já está sofrendo além da dose suportável. O indivíduo deprimido não está triste, ele está deprimido. Isto não quer dizer que seu contexto existencial não tenha nada a ver com isto; tem a ver, tanto quanto, em caso de depressão, uma atividade neuroquímica anormal, estabelecida por alterações importantes na fisiologia de alguns neurotransmissores do indivíduo, se faz presente e necessita de cuidados.

Ninguém ‘perde’ tristezas – sua chance de poder ficar triste – quando busca tratamento para uma depressão severa; ao se tratar, a pessoa deixa de estar deprimida, mas continua podendo ficar triste, normalmente, sempre que for o caso. O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, IV, ou outros que o antecederam), publicado periodicamente na América do Norte, está infinitamente longe de ser a única fonte descritiva dos distúrbios mentais, entre eles, os do humor, e, entre eles, a depressão...Inúmeros textos, de autores e professores renomados, procuram explicar às pessoas por que tristeza NÃO é depressão. Qualquer boa explicação técnica sobre depressão irá frisar, especificamente, as diferenças importantes entre um estado e outro.


Nosso comportamento, nossa personalidade, não são entes mentais que pairam no mundo interno como fantasmas alados. De fato, eles são, sim, entes mentais, e, como tais, são produto do funcionamento de um cérebro, nem mais, nem menos. Assim é que toda mente tem seu substrato morfo-fisiológico respectivo, e é a esse substrato, concreto, corporificado, que ela deve sua existência. A mente, e, com ela, o comportamento, não é uma outra entidade, paralela e 'descolada' dos esquemas neurais que a abrigam, muito ao contrário. A carne é, sim, o 'lugar' orgânico de onde emana esse processo de extrema complexidade, chamado psique

O cérebro é um órgão adaptativo por excelência – nele estão registradas todas as nossas reações importantes ao mundo externo e ao mundo interno; essa reação se dá, antes de mais nada, neuroquimicamente: em função de determinadas interações do EU com o mundo, ou do EU com ele mesmo, certas ligações (sinapses) nervosas são fortalecidas, e outras, enfraquecidas ou inibidas; a ligação entre uma célula nervosa e outra é feita através de substâncias químicas, chamadas neutrotransmissores. Perceba, então: o uso específico de nosso cérebro, em função de nossas interações existenciais, irá consolidando, ao longo do tempo, determinados ‘arranjos neurais’, e, neles, determinados mecanismos neurotransmissores; todo esse processo transforma-se em memória; uma parte dele resulta em comportamento individual, com sua dupla face – (1) ações, manifestações, idiossincrasias... e (2) padrões neurais em que esses esquemas de ação e manifestação são armazenados.

Quando o indivíduo chega a um estado de depressão importante, há sintomas inequívocos de depressão do sistema nervoso central em alguma medida – a letargia, a ausência quase que total de disposição para dar um passo, a impossibilidade de concentração quase completa, traduzem um embotamento não só da vivacidade emocional, mas também da vivacidade sensorial; a pessoa fala pouquíssimo, ou nada, não consegue manter uma conversa porque se sente, literalmente, a léguas de distância dos outros, e, não raro, diz que não os ‘escuta bem’...A pele perde o viço, os lábios esbranquiçam, os olhos tornam-se fôscos – uma vez que a pessoa não olhe muito para nada do mundo externo. Os casos de suicídio, nesta fase aguda, são inúmeros. Atentemos que, aqui, a ‘central de informação’ do indivíduo entra em colapso, de modo que ele já não é mais capaz, nesse estado, de elaborar suas tristezas ou suas alegrias – o que está em jogo, nesse caso, é uma sensação de impotência essencial para o ato de viver. E por quê...? Porque, grosso-modo, diversos grupos de neurônios dessa pessoa estão operando ‘ligações meia-boca’ entre eles, ‘frouxas’ e deficientes; o indivíduo está com seu cérebro ‘pouco ligado’, ‘pouco ativado’ – não se sente realmente dono de suas capacidades, porque, no fundo, elas estão disponíveis apenas de modo ‘parcial’.

Se um indivíduo é diabético e precisa tomar insulina, deixá-lo sem esse hormônio quererá dizer que vamos cooperar para que ele elabore o coma diabético que lhe é de direito...? Se um indivíduo tem nove graus de miopia em cada olho, deixá-lo sem seus óculos será valorizar sua ‘visão do mundo’ e permitir que, mais uma vez, ele elabore essa visão, com a legitimidade que lhe cabe...? Jaz aí, no fundo, uma concepção idealizada e falsa da Natureza. Não é porque algo ‘veio com a gente’, de nascença, que funciona ‘perfeitamente’...; mesmo a noção de perfeito precisa ser encarada com os pés na terra. A perfeição fisiológica é aquela que assegura uma qualidade de vida que, na média, é satisfatória para a pessoa – para cada pessoa.

Um diagnóstico psiquiátrico preciso e efizaz certamente terá de dar conta das duas faces implicadas pelo distúrbio psíquico eventual – (1) a face do comportamento e respectivo contexto existencial desse comportamento; (2) a face do esquema neurofisiológico que está refletindo tal contexto e comportamento. O tratamento completo, como se sabe, deverá cobrir as duas facetas, na medida em que uma está e sempre estará diretamente ligada à outra.

É preciso parar de confundir uma correção química necessária ao funcionamento neuronal com a fantasia pseudo-naturalista de que os medicamentos para depressão colorem artificialmente a realidade do paciente. A paisagem cinzenta, às vezes parda, do mundo psíquico (e cerebral) do indivíduo com depressão não é sinônimo de uma possibilidade justa de se ficar triste, tanto quanto uma perna quebrada não é sinônimo de um legítimo direito de passar pela experiência de tê-la engessada...


Marcas internas de alerta

O organismo vivo é dito auto-regulador, porque, através de um sistema de ‘sinalização’ interna, ele é capaz de engendrar ações, conscientes ou inconscientes, que possam providenciar o que for preciso para mantê-lo, efetivamente, vivo e o mais saudável possível. Os dois grandes ‘sinais adaptativos’ de que nosso cérebro dispõe são as emoções gerais, conhecidas como prazer (satisfação/saciedade das necessidades fundamentais desse organismo) e dor (alerta quanto a uma ameaça ao organismo, no todo ou em parte, caracterizado por sensações de mal-estar e desconforto). Dessas emoções principais decorrem todas as outras, todos os outros subtipos que o ser humano foi capaz de especificar para si mesmo. As dores podem ser mais propriamente ‘somáticas’, carnais, ou, podem ser psíquicas – mas não menos ‘físicas’, entretanto.

Ocorre que há diferentes níveis de dor, das mais suportáveis às mais insuportáveis...A tristeza é uma emoção ‘dolorosa’, é certo, um alerta para o indivíduo refletir sobre sua rota existencial corrente, sobre os comportamentos que podem estar cooperando para o embotamento de seu prazer de viver; mas é uma dor que se suporta, mesmo quando muito pesada. Inversamente, a depressão resulta numa dor-limite, em que o sistema psíquico está chegando perigosamente perto de um estado de ‘ruptura’ com a razão basal de existir – uma ‘desabilitação’ para ser e estar (triste, contente, com raiva...); a percepção de um desespero desfocado, pobre em razões específicas e pontuais, inunda o interior psíquico do indivíduo como um tsunami furioso, invadindo uma cidade inteira e a fazendo submergir. Nessa hora, até o medo, última defesa dolorosa da integridade física individual, se enfraquece e abre espaço para um impulso de ‘salvação final’ desse tormento, o impulso de se tirar a própria vida. O suicídio do deprimido em crise aguda constitui sua fuga desesperada de uma dor (psíquica) que ele simplesmente não consegue/conseguiu suportar.

Faço votos para que nenhum um de nós jamais cometa o pecado fatal de querer zelar pelo sofrimento depressivo de um ente querido, a fim de que ele ‘não perca’ sua depressão - e, então, se ‘perca’ de nós para sempre. É preciso ter cuidado com nossas imprecisões, nossas idealizações do mundo e de nós mesmos, nossos romantismos terapêuticos, enfim. O deprimido não está taciturno, choroso, pensando no que deu errado em sua vida; não, ele está a um passo de submergir em um poço de areia movediça – nesse estado, tudo o que ele pode fazer é estender a mão e esperar que consigam puxá-lo dali.

Depois, sim, ele poderá confrontar seus choros, seus lutos, as tantas tristezas que se acumularam em seus baús psíquicos até aí, através de processos psicoterapêuticos que o auxiliem para esse fim.


(*) Patrícia Porchat é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica (USP) e professora universitária (UNIP).

Para ver seu artigo completo:
http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/com_quanta_tristeza_se_faz_uma_depressao_.html

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

RESPEITO A MARINA

Marina Silva deu algo de bom, de valiosamente diferente, nesta eleição. Ex-ministra do Meio-Ambiente do governo Lula, e ex-petista, não transigiu, seja com o governo, seja com a oposição previamente estabelecida. Questionou, acima de tudo, o discurso comum aos nossos políticos de carreira: seu comprometimento consigo próprios, em detrimento dos interesses do eleitorado/população. Pôs o dedo na ferida, e manifestou, com simplicidade, um outro modo possível, mais sóbrio e consciente, de fazer política.

Não estou querendo antecipar, com isto, uma eficiência concretizadora que ela ainda não nos pôde demonstrar. Mas o começo foi digno de atenção – uma mulher simples e persistente, buscadora estóica de formação e preparo intelectual para alargar e aprofundar sua visão do mundo e dos seres humanos, em firme e determinada defesa de alguns princípios essenciais à dignidade social e individual. Nada ‘faraônico’ ou ‘triunfal’, mas com uma vontade subentendida de ser realista – e, portanto, efetivamente comprometida com a execução dos projetos propostos.

Sua força não parece ter vindo da gesticulação política corrente, cheia de mãos e vozes especialmente postas para os refletores... Nenhum excesso sensorial caracterizou sua habilidade de se fazer notar e ouvir. Sua força veio de sua verdade, de uma integridade serena que pareceu bastar aos interlocutores que a observavam. De modo geral, não revelou especial preocupação em mostrar seu ‘brilho’ ou o quanto ‘não fica nada a dever a estes ou aqueles’ por ter vencido seus desafios, superado suas dificuldades...: enfim, dona de uma auto-confiança pacificadora, e não revanchista ou belicosa...

Com uma votação surpreendente, Marina nos diz a que veio. E nos diz com respeito à sua cidadania e à nossa. Não tratou os eleitores como fantoches, nem como se só tivessem estômago; não se fundou como mãe ou pai de quem quer que fosse, mas nos conclamou a compor um nós participativo e responsável, digno do que faz o verdadeiro espírito democrático.

Parabéns, Marina Silva.



quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O CUIDADO QUE DEFORMA (O MUNDO REPARTIDO) - SOBRE O DISCURSO MESSIÂNICO

Discurso messiânico é aquele que, indefectivelmente, pressupõe (e quase anuncia...) o aparecimento de um ‘messias’, um salvador ou redentor, ardentemente esperado, não importando se esse discurso pertença a uma religião ou a qualquer outra ideologia laica que seja; ele representa um modo de ver o mundo - possível, é certo, como qualquer outro. O dicionário define messianismo como “a crença na intervenção de ocorrências extraordinárias, ou de individualidades providenciais ou carismáticas, para o surgimento de uma era de plena felicidade espiritual e social”*; a ‘plena felicidade espiritual e social’ é, em si mesma, uma polarização artificial do ‘Bem’, uma prática maniqueísta, afinal.

O discurso messiânico abre lugar para determinados ‘heróis’, que ‘descobrem’ onde está o ‘Bem’ e onde está o ‘Mal’ da humanidade - assim, bem separados um do outro; e acaba sendo fundamentalmente ‘paternalista’. Paternalista porque, embutindo-a às vezes mais veladamente do que outras, veicula a proposição de que ‘uns pensam pelos outros’, ‘uns sabem o que é melhor para os outros’..., certamente impulsionados por um ideal de humanidade ‘feliz’, de uma felicidade polarizada, e não dialética. Contudo, dentro desse discurso, é difícil conceber dinamismo e troca, naturais da vida.

À visão messiânica do mundo talvez se possa opor uma visão ‘orgânica’, ‘autonomista’ x ‘paternalista’, onde os homens possam ser bons e maus ao mesmo tempo, e onde, por isso, se reconheçam as ‘incongruências’ com mais facilidade, as incoerências como símbolo, não de ‘furos’ teóricos, mas do movimento dialético e interativo de todos os ‘componentes’ da vida humana - sem que estejam separados por nenhuma ‘linha imaginária’, ainda que idealista-de-boas-intenções, a repartir o mundo inexoravelmente.

Para o filósofo alemão, G. W. F. Hegel (1770-1831), a realidade é o ‘absoluto’ (soma dos relativos), mas manifesta-se dialeticamente, partes se opondo, partes se compondo em inter-relação. Na verdade, a dialética reintegra os significados à sua substância; dessa manifestação coexistente de ‘contrários’ é que acaba brotando um siginificado mais ‘completo’. Talvez fosse oportuno lembrar que ‘dialética’, na essência (di(s) + alethés), quer dizer ‘duas verdades’, ou ‘verdades de/para diversos lados’ - mais de uma verdade convivendo, afinal.

De fato, não sei até que ponto o pressuposto idealista/utópico talvez não afaste pensadores messiânicos de soluções efetivamente concretizáveis para o mundo que desejam ver melhor. Pois que, se o mundo que descrevem puder deixar de ser maniqueísta, então pelo menos será mais plausível supor que cada homem possa eventualmente ser herói de si mesmo, ainda que eventualmente vilão, também; devolve-se a cada homem o direito e o potencial de ser mau e bom na experiência di-alética, assim podendo ser, em qualquer fase da história, oprimido ou opressor, carrasco ou revolucionário. Devolve-se ao homem o direito de ser qualquer coisa humana, e basicamente isto.

Qualquer paternalismo salvador é, no fundo, presunçoso. Acreditar nele é subestimar os homens com que ele parece se preocupar tanto... Não vejo com bons olhos esses messias que, consternados, sabem sempre o que é melhor para os outros homens - porque sua presença e postura é uma afronta à  autonomia (relativa, mas de todos) que, de cada homem, compõe a integridade.


(*) Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. (1975) 1999. 3ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

RESPOSTA AO AMIGO ANÔNIMO


"Tudo é processo. Ainda bem, que o LULLA deu sequencia. (...) Agora, creditar a ELLLES tudo de bom que temos agora, é apagar a historia do Brasil. Não é justo!" (comentário anônimo à minha postagem Escribas da atualidade). 


Amigo Anônimo,

Em nenhuma linha de meu texto há qualquer crédito dedicado a quaisquer elllllles pelo “tudo de bom que temos agora” - sejam quem sejam esses ellllllles que você aventou referir. Não tenho vínculos com elllles ou aquellllles, tenho compromisso comigo e com meus princípios, e gosto de ver com olhos livres, como disse uma vez Oswald de Andrade. Não sou dada a exaltações heróicas de quem quer que seja porque não acredito realmente em heróis, salvadores de pátrias, agentes messiânicos de qualquer paragem ideológica – política ou religiosa... Isso porque, por trás de um ‘salvador’, sempre mora um narcisista... Penso que o mundo precisa mais de indivíduos emocionalmente adultos do que de parelhas de pais eternos de filhos que não crescem nunca. Do mesmo modo, não sou ‘devota’ de Fernando Henrique ou de Itamar Franco – e em nenhuma afirmação minha os coloquei em lugar de ‘ídolos prediletos’; ao ler meu texto, não é difícil perceber esse fato. A dedução afoita foi sua.

Como a História do Brasil ainda está registrada pela escrita, não é tão facilmente ‘deletável’ assim, caro amigo. Usando o método comparativo, que a Linguística me ensinou, além do gosto essencial que tenho pela leitura, não é difícil encontrar as letras de bons livros e artigos focados na matéria “Plano Real” – e lhe asseguro, as letras estão lá mesmo, nada ‘apagadas’...; varie as fontes (=autorias), use autores com um mínimo de consistência em sua formação, e você poderá driblar o risco de uma história (ou qualquer outro produto cultural) tornar-se inexoravelmente ‘apagada’...

Sem dúvida que ‘tudo é processo’. Nenhum fato, político ou não, despenca dos céus descolado de seu antes e de seu depois... Se você relembrar como se deu a construção do Canal do Panamá, saberá exatamente a que me estou referindo... Não neguei nenhum antes e nenhum depois do plano econômico oficialmente instituído em 1994; o plano Real teve uma fase de preparação planejada, em 1993, e não desconheço esse fato; por outro lado, não afirmei, nem vi afirmado, que Fernando Henrique e o Plano Real fossem gêmeos siameses... - não afirmei nada parecido. O elenco de nomes por você referidos é descritivo, sim, do processo de confecção do Plano Real, que, ora bolas, não começou com um fulminante grito de “Eureka!!” do famigerado Ministro da Fazenda de Itamar...! Eu sei bem que ‘processo é processo’ – mas estou me perguntando, de fato, se você, realmente, também sabe...

O que faz de um processo ‘processo’ é o encadeamento de suas fases, como os elos de uma corrente. Nenhum elo pode faltar. Esse foi o motivo de meu texto. Gosto de cada coisa no seu lugar. Se, como na peça teatral de Ionesco, uma comunidade começa a se transformar em rinocerontes, não vou fingir que nada de novo está acontecendo... Quando você tem olhos abertos e aceita não acreditar em Papai Noel algum, relaxe, porque a História não se apaga com tanta e ingênua facilidade...

Vania.



terça-feira, 28 de setembro de 2010

ESCRIBAS DA ATUALIDADE

 
Em visita à Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, cidade natal do ex-presidente Itamar Franco (PPS), nesta terça-feira (28), a candidata à Presidência da República pelo PV, Marina Silva, afirmou que foi o candidato ao Senado, e não o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o responsável pela criação do Plano Real. Marina admitiu, no entanto, que o programa econômico teve continuidade pelas mãos de FHC, quando eleito presidente, e depois pelo Governo Lula” (Terra-Notícias, 28/09/2010).
 
Antes de a Imprensa ser inventada por Johannes Gutemberg (1398-1468), os livros eram editados por um método singular: um indivíduo se punha a ler determinado texto em voz alta, ditando-o para copistas especializados – ou escribas – que permaneciam, cada qual em seu assento, ouvindo o que lhes era ditado, para, em seguida, transcrever (ou quase...) esse conteúdo. Ocorria que, em meio à transcrição, cada copista também acrescentava ‘trechos’ seus ao texto copiado, de modo que, ao final da empreitada, poder-se-ía dizer que o resultado era em parte cópia, em parte acréscimo do escriba – que, assim, acabava tonando-se ‘autor coadjuvante’ do autor principal, previamente transcrito...Trocando em miúdos, um pouco daquela estória de que quem conta um conto aumenta um ponto...

Naquela época, é certo, bem poucos sabiam ler numa população dada; se os escribas de então se insinuavam nos textos que transcreviam, a verdade é que tal fato não era visto como ‘errado’ ou condenável, mas, de fato, era aceito com relativa ‘normalidade’. Entenda-se que a tradição oral, diante de um público essencialmente analfabeto, convive muito amigavelmente com a fluidez dos fatos narrados – isto porque, na tradição oral, ir à busca de registros (palavra escrita) é inútil: quem haveria de saber onde estão e como consultá-los...? E, em os achando, quem consegueria decifrá-los...? Portanto, dizer e/ou desdizer fatos poderia tornar-se uma escolha banal de momento, ditada pelo oportunismo do agora mais imediato entre os possíveis...

Populações analfabetas ou semi-analfabetas não desapareceram do mundo. Entre outras coisas, elas não têm nenhuma idéia sobre por que se diz que a História começou com a escrita...Quando se dignifica o não saber ler-e-escrever, dignifica-se o fazer de falas inconsistentes, que não se podem palpar, reter, retomar, entender melhor, refutar ou aceitar. Não podendo marcar o ponto de partida das coisas, um mundo sem escrita começa sempre do mesmo ponto, reinventando sempre as mesmas invenções, inúmeras vezes, como se fosse sempre a primeira...A estrada, aí, nunca sai do primeiro quilômetro...

Não me acode qualquer idéia mais específica sobre o porquê de a candidata Marina Silva, até agora digna de meu respeito, resolveu transcrever a história tão recente do Plano Real com a ambiciosa retirada do Ministro da Fazenda que o encabeçou, Fernando Henrique Cardoso, convidado pelo então Presidente Itamar Franco para assumir a pasta. Claro está que Fernando Henrique convocou uma equipe de economistas para efetivar o projeto a seu encargo – até porque ele próprio não era/é economista. Mas administrou eficientemente sua terefa, delegou com eficácia – de modo que, em 27/02/1994, com a publicação da Medida Provisória 434, deu início oficial a um programa brasileiro de estabilização econômica, conhecido como Plano Real.

Observe-se a cadeia dos fatos narrados acima e devidamente registrados em língua nacional, acessíveis a quem saiba ler e escrever algo além do próprio nome: um determinado presidente do Brasil (Itamar Franco) chama um indivíduo de nome Fernando Henrique Cardoso para ser seu Ministro da Fazenda, que, por fim, chama um grupo de economistas para idear e ajudar a pôr em prática um plano de estabilização econômica que obteve o resultado mais eficaz da história dos planos econômicos do Brasil – a ponto de ser seguido à risca nos dois mandatos do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que sobreviriam aos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil depois de Itamar Franco. Onde foi que Marina Silva se perdeu...? De que Plano Real ela está falando em seu discurso...? Será que, em breve, chamaremos Pelé de Maradona, por pouco importar quem é um quem é o outro...??

Há algo robótico no Brasil deste momento, que a indústria do analfabetismo de bucho semi-alimentado está, gostosamente, consolidando... Memória e escrita são duas entidades irmãs. Falar a um povo sobre um ocorrido que não irá ser devidamente comprovado por esse povo é reinventar, ao bel-prazer dos próprios interesses, a visão mais apropriada para cada instante da vida nacional – é tratar esse povo como não muito mais que gado.

domingo, 19 de setembro de 2010

OS INIMIGOS DE GIL VICENTE

Cartões polêmicos do artista plástico Gil Vicente
Existe um conceito, nascido na Física, que leva o nome de entropia, e se refere ao ‘grau de desordem’ de um sistema dado. Entenda-se desordem como ausência de forma, e, portanto, de informação ou sentido. Sistemas caóticos, ou seja, aqueles que já não possuem princípio algum de organização, poder-se-ía dizer, são assim, entrópicos, desprovidos de qualquer critério de auto-condução, e, portanto, de qualquer marca distintiva de identidade.

Observando os cartões do artista plástico pernambucano, Gil Vicente (52), tropeçamos e caímos, bruscamente, em cenas-modelo de entropia social, onde, talvez, os ‘personagens’ mais ‘atuantes/marcantes’ sejam, de fato, a faca e o revólver... – objetos que têm como alvo final a própria morte – não impotando mais de quem, afinal... Nesse estado entrópico de coisas, a impossibilidade de interação fecunda entre identidades diversas faz da própria essência da identidade o inimigo principal – ser alguém torna-se ser inimigo dos outros, quase que instantaneamente..., como se, lá no fundo, nascêssemos para sermos inimigos uns dos outros, e nos destinássemos à auto-chacina...

Nessa entropia, porque não há diferenciação, não há valor em nada, tudo é exterminável, porque nada tem o poder de nos prender, reter... Aí a vida não importa mais que a morte, talvez porque, sem valores e ética, já não haja mais qualquer diferença entre as duas.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

CRESCER

De modo geral, parece que o ser humano tem horror a crescer. Amadurecer emocional e psicologicamente, buscar por si mesmo o sentido da própria vida, sem ter de esperar que um outro ser humano, de maior autoridade, lhe diga e mostre... Assim é que procura mães e pais idealizados em toda parte – governantes, líderes religiosos, gurus, avatares, mestres descobridores da senha esperta para o mundo mágico, típico do universo imaginário das crianças, onde, enfim, se poderá viver sem custo..., em inerte e paralisante contemplação...: não importa a mão que balance o berço, desde que o balance... Qualquer um que lhe prometa um farto estoque de fraldas e mamadeiras eternas recebe seu voto e reverência, sem nenhuma hesitação.

A promessa de Dilma Rousseff, de, se eleita, cuidar do Brasil como uma mãe o faria, é mercadologicamente correta. Com uma clientela emocionalmente infantil, nada mais acertado que ensaiar uma adoção generalizada da prole brasileira...


Na vida adulta, temos duas opções básicas de abordarmos a questão da autoridade – uma imatura, outra madura. A opção imatura habilita as ditaduras, o autoritarismo renitente: onde há o anseio por uma infância eterna, só pode haver a contrapartida óbvia da parentalidade eterna... – ‘pais’ e ‘mães’ provedores, fonte ideal de todas as mamadeiras e papinhas que nenhum outro animal do mundo ousaria desejar por tanto tempo, e com tanto afinco.

A opção madura não se furta da democracia, em que os indivíduos não são vistos como iguais, mas como equivalentes, em termos de possibilidade de exercer o poder cidadão.

De fato, a democracia não se traduz por igualdade, mas por equivalência, já que a diversidade é requisito fundamental da criatividade e capacidade evolutiva do que quer que seja – do nível atômico e sub-atômico da matéria às mais complexas criaturas do Universo. Sem diversidade, a própria vida não existiria – sem diversidade, H2O (=a água) seria só hidrogênio (H), ou só oxigênio (O)... Combinar e criar exige diferença. O homogêneo total é entropia e morte.

Precisamos parar de procurar salvadores em cada esquina. Não crescer é mais perigoso que crescer – o paraíso não pode ser um lugar onde não tenhamos que fazer nada, porque “algo maior” sempre estará fazendo por nós... Isto não é paraíso, é reabsorção a uma infância eterna, e, portanto, inerte, de onde é impossível evoluir, conquistar o futuro pelas próprias mãos, de modo a perceber que o caminho de cada um de nós só pode ser trilhado pelos nossos próprios pés. Ser conduzido é render-se ao pavor do desconhecido e viver como se se tivesse as pernas amputadas... Nunca vi leões ou leopardos esperando que suas caças despencassem dos céus para eles; nem árvores e flores que exigissem chuva na hora certa da sua sede.

Estar vivo é uma aventura de sobrevivência, um descobrir e forjar recursos a partir do próprio esforço. E isto não é nenhum castigo ou desamparo da Natureza em relação a nós, é o real sentido do poder – arcar com a responbsabilidade de estar vivo por inteiro, tomando as rédeas do amadurecimento às próprias mãos; entendendo que o medo não é um vilão, no mundo adulto, mas, essencialmente, indício daquilo que ainda precisamos aprender a ser e fazer.

Não se pode viver na infância emocional para sempre, sob pena de tomarmos o avesso do caminho por caminho; se assim fizermos, não seremos coisas vivas, mas, fundamentalmente, natimortas.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O TAMANHO ÚNICO QUE NÃO EXISTE




"Sempre acho que namoro, casamento, romance, têm começo, meio e fim" . (A. Jabor)
“O que Deus uniu, o homem não separa...” (texto usualmente proferido pelo padre ao casar um par de jovens na igreja católica).
Pelo tanto que essas duas frases possam parecer antagônicas, elas possuem, na verdade, estruturas extremamente semelhantes... Ambas revelam que, sejam mais tradicionais, sejam mais liberados, os seres humanos relutam em lidar com o futuro exatamente como ele é: desconhecido, propenso a surpreender, avesso às feições imutáveis do que quer que seja.

Parece que, terminando sempre, ou, por outro lado, durando obrigatoriamente toda a vida dos sujeitos envolvidos, é preciso saber, previamente, como é que as coisas são. É mais fácil viver sabendo que as relações vão acabar um dia, necessariamente, ou, para quem viva sob outro sistema de valores, que, uma vez selado o compromisso sob a autoridade ‘divina’, definido estará o caminho de uma relação, de uma vez por todas... Seja de um modo, seja de outro, o saber prévio deverá minorar nossas preocupações...

As pessoas buscam verdades estáveis para suas ansiedades. Todavia, todas essas falas categóricas demais significam, quando muito, que estamos tentando ‘planejar’ o futuro com os olhos no passado..., este que é o único tempo sobre o qual temos alguma certeza em nossas vidas...O futuro é mesmo futuro, ele não está aqui, ainda. Que pode acontecer a uma relação...? Ela pode acabar em um dia, um mês, um ano..., ou, impertinentemente, resolver durar toda uma vida...Nem Deus, nem Jabor, poderão fazer coisa alguma para conter a liberdade de ser que a Natureza sempre disseminou...

A Natureza é um exemplo magnífico, triunfal, de diversidade... É incrível como cabem facetas diferentes nesse útero multiplicador de seres que a Natureza exibe e opera...Inúmeros caminhos e possibilidades, inúmeros modos de ser e perceber o mundo, de fazer ou não fazer as coisas... Tanta diversidade é também bom motivo para grandes medos do desconhecido, de estar em situações em que se tem de assumir – eu não sei o que vai acontecer, não sei se vou ficar no meio do caminho, o que vou conseguir construir, ou o que talvez destrua...

Lidar com o presente como um momento que está tendo de ser criado a cada instante é a única forma de não abarrotarmos o futuro com pressupostos do passado. O passado é uma boa referência, mas não um modelo tácito de repetições inescapáveis...; apesar de acalmar nossas ansiedades, corre o risco de enfiar nossa liberdade numa jaula de pré-conceitos...

As fórmulas gerais não podem prever o que acontece com seres tão específicos quanto nós; muitas coisas acontecem, e muitas não, a cada indivíduo particular. O mundo é fecundo e plural – apesar de todas as definições prévias, idealizadas, com que tentamos construir alguma previsibilidade em nossas vidas, nós não podemos saber de resultados até que cheguemos concretamente a eles..., na prática.

Imagino que, no campo das relações – como, aliás, no campo de todos os grandes tópicos da vida humana – elas durem enquanto estiverem cumprindo sua função existencial para seus componentes. Enquanto houver um que fazer, há motivo, há produtividade numa relação; rindo ou chorando, com facilidade ou dor, a relação segue seu curso enquanto estiver cumprindo seu objetivo. Muitas vezes, não temos consciência de qual objetivo é esse; apenas sentimos um empurrão para seguir, ou um chacoalhão para parar. E, bem ou mal, é isso o que fazemos..., num ou noutro caso.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Por que este blog se chama 'humanidade azul'

Há alguns anos, depois de ter efetuado algumas mudanças fundamentais em minha vida, comecei a escrever um grande grupo de poemas, cuja característica essencial era a aceitação menos resistida de medos, dores, impotências e fraquezas. Foi a forma que encontrei de entrar em contacto com a possibilidade mais carinhosa e produtiva de lidar com meus insucessos – passados e futuros - ou seja, também aqueles que ainda viriam, muitos, no decorrer da vida.

Até então, como um grande número de pessoas, não cabiam vulnerabilidades no perfil que eu desejava mostrar aos outros...; até então, eu fôra decididíssima, e fantasticamente certa de qual seria minha rota existencial até minutos antes da minha morte...(!!). Tudo estava impecavelmente planejado.

Num desses poemas, encontrei minha disposição de aceitar viver na Terra exatamente como ela era, sem idealizações: um planeta ocupando seu lugar no cosmo gigante, que, observado do espaço, é azul... Aí, onde uma coisa chamada vida inadvertidamente aconteceu, com suas milhares de outras cores, e não menos contradições...

Nesse poema, aparece o termo humanidade azul, a me lembrar que, acima das dores específicas pelas quais pode passar cada indivíduo, para além das frustrações consigo mesmo e com o mundo à volta, há uma liga, afinal, um contacto unificador com o Universo onde a própria Terra se abriga. Debaixo do azul, estamos todos nós - unos no diverso (=universo), diversos em um mesmo 'lugar' (universo, ainda): estamos 'fadados' a viver/experimentar nossa diversidade junto com a diversidade dos outros... Nossa presença mútua é um fato consumado...

Humanidade azul acabou surgindo naturalmente como 'tema geral' de meu blog, o fio condutor e unificador de quaisquer idéias que aqui se venha expor ou discutir.



Quem é do bem, quem é do mal...

Interessantes, as novelas... Já fui telespectadora mais assídua, de seguir capítulos, querer saber mais atentamente de desfechos, e assim por diante... Depois, a vida muda, fica preenchida de outras atividades, nossos olhos se atualizam, passam a perceber nuances que, antes, não faziam tanta diferença.

Um deles é o papel do 'mal' nas tramas novelísticas. Que curioso... Os personagens do mal passam, sistematicamente, as novelas inteiras levando a melhor; aos bonzinhos (ou bobinhos...?) cabe, basicamente, sobreviver a tais maldades, 'escapar' do pior que os pestinhas malévolos estão sempre aprontando... No último capítulo, ou quase, é que os 'mocinhos' se livram (para todo o sempre) de todo o mal, amém...

No fundo, a coisa é até um pouco religiosa...: "aceite o mal do presente, e habitue-se a esperar pelo bem, como se espera um convidado que chega sempre no fim da festa ...". Caracas..., é quase um treinamento jesuíta de auto-imolação...O Mal é 'esperto', jactante, líder, enriquece através de 'jogadas' pouco éticas..., tudo como o 'diabo' gosta... 99% dos capítulos; a ética, a paz, a harmonia, são o prêmio de consolação..., mas não deixam de figurar como a parte 'fraca', 'tola' (quase estúpida) do 'negócio' chamado vida...

Se fôssemos dar prêmios ao personagem mais popular, ganharia o mau caráter, ou o individualista, ou o bem com todo mundo e sem nenhuma personalidade muito definida... Vide Big Brother, afinal..., que parece ser a 'novela do século XXI' ... - onde o enredo é resultado de uma colonoscopia...(para quem não sabe, aquele exame que fotografa, passo a passo, o interior do intestino das pessoas...); o último vencedor do Big Brother era o mais sacana dos participantes, acometido de sucessivos surtos narcisistas que tanto seduziram a clientela televisiva...

Esses produtos culturais estão com a cara do Brasil, a cara da filosofia de vida do Brasil - não importa a classe do brasileiro a que se queira fazer referência... Princípio ético é coisa de babaca... O pulo do gato inteligente do Brasil vai dar direto na rede em que Lula dorme, ao invés de ler um bom livro (conforme veiculou, com sinceridade, o nosso presidente,  ele prefere, mesmo, dormir um bom sono numa rede a ler um livro ou jornal...).

Aqui no Brasil, o Mal 'é o cara'..., é ele o invejado - seja de direita, seja de esquerda, como gostam de subdefinir os ideólogos de todas as cores... E o Mal não é um diabinho babante, assemelhado ao pobre deus Pan que o cristianismo resolveu identificar como chefe do inferno...; não, o Mal é apolíneo, sarado, super na moda, hábil nos ilícitos para encher sua carteira do dinheiro que vem dos bonzinhos...; e, para os bonzinhos subdesenvolvidos, mais pobrinhos, ele larga as moedinhas menores, que jamais teriam e terão o poder de homogeneizar nossa incrivelmente desigual população... Hoje, somos o terceiro país com maior desigualdade social do globo terrestre...

O ditado popular dizia - "não se deve acender uma vela pra Deus e outra pro Diabo..."; bem, é que não se previa o quanto o poder de barganha seria desenvolvido no cerne da sociedade brasileira... Defendendo a 'farta' democracia de nossos 'amigos' ditadores, dando boas gargalhadas com governantes de países que apedrejam até a morte suas Evas pecadoras, podemos dizer, sem medo de errar, que atingimos o ápice da inovação ideológico-cultural que nosso potencial humano permitiu: o surrealismo tropical... Se o holocausto fosse aqui, talvez os prisioneiros dos campos de concentração entrassem sambando nas câmaras de gás, com uma latinha de cerveja na mão, bebendo, palreando e gargalhando até o momento final, que, então, encerraria o mesmo e irreprimível tanto faz...