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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

PÃO E CIRCO


(O Estado de São Paulo - 27/09/2012)

Ofensivas são as campanhas políticas praticadas no Brasil, em que os candidatos prometem o Paraíso decorado com ouro e pedras preciosas e não precisam dar conta de onde virá o dinheiro para cumprir as promessas, nem da forma prática como a promessa se concretizará. Tribunais Regionais Eleitorais não se preocupam em limitar o teor de mentiras, e assinam embaixo dessa divulgação prévia de falsos paraísos a serem instaurtados por futuros (e angelicais) prefeitos...??? Que é que há?! Vale tudo, quando se trata dos candidatos...??? Além de prometer paraísos e se pintarem como ‘salvadores da pátria’, dos fracos e dos oprimidoss (contra os lobos-maus das florestas...), o que a maioria dos candidatos apresenta de objetivamente útil, inteligente e realizável...? O que ando percebendo é que o povo gosta, mesmo, é de fazer o papel de João e Maria: ao longe, avista a casa da bruxa, disfarsada de ‘lugar dos confeitos encantados’...; vai correndo até lá, se lambuzar de balas e chocolates, para, prontamente, então, cair na panela gulosa da verdadeira e malvada dona da casa...: bruxona velha e desdentada – uma definição seguramente mais honesta do político brasileiro que se candidata a ocupar cargos públicos. O partido importa...? Quê...! Esse é o detalhe menos importante da História do Brasil – não fosse assim, não teríamos os abraços e beijos entre indivíduos como Lula, Sarney, Collor e...Maluf. Ah, ah, ah...Dizer que é patético ainda é um elogio...

domingo, 3 de abril de 2011

FELICIDADE DE NARCISO


Para curtir a idiotice até o fim dos tempos, faça da gozação, do pouco caso a quem gosta de você, seu carro-chefe do jeito de se relacionar...Sinta-se ‘liberto’ por não amar nem desejar demais, dono de si e esperto, acima de todas as coisas...Tenha laços desfeitos como conclusão de tudo o que faz e planta – aliás, arranque todas as plantas que crescerem, desavisadas, no seu jardim...Espelhe-se nos quartos vazios das almas ‘poderosas’... – poderosas e únicas, desérticas, isoladas...Feche boca e braços para beijos e abraços – economize, economize-se, recolha a pele macia e as sutilezas que os corpos podem ostentar, e devolva securas e asperezas aos carinhos dos outros. Espere que o mesmo encanto de Narciso lhe preencha todos os espaços, sem descanso, sem trégua..., como numa sala imensa de espelhos, multiplique a própria imagem refletida, labirinteando o caminho da vida, lotando-o de você, e só você...Aproveite a conquista egocêntrica, vencendo até quem já não existe mais ao seu lado..., não saiba a diferença entre estar só ou acompanhado..., misture-se aos objetos do mundo e desconheça o que é ser sujeito, sujeito de trocas e de sentimentos para além de si mesmo...No horizonte cabe de tudo. Ali o dia pode nascer, ou morrer.
 

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

IMPRENSA LIVRE, MINHA GENTE


Essa palhaçada crescente de governos querendo operar um 'controle social' (leia-se AUTORITÁRIO) da mídia ostenta uma cara-de-pau repulsiva: os meios de comunicação são parte atuante e necessária de qualquer sociedade sã; se e quando algum de seus componentes desrespeita as leis de um país, então, bem, caberá contra ele o devido processo legal. Nossas leis JÁ DEFINEM O QUE É DELITO E O QUE NÃO É, e, como diz o conhecido preceito constitucional - "ninguém é obrigado a fazer, ou a deixar de fazer, o que quer que seja, a não ser em virtude de lei". Por que um jornalista não pode investigar e informar indícios devidamente documentados de fatos suspeitos??? Por que essa sua função de pesquisar e dizer tem sido pintada pelo governo petista como 'errada' ou 'nociva'??? Nociva para quem...?

Políticos querem calar a boca de jornalistas para que estes não informem mais sobre todos os desvios, impropriedades e ilegalidades que aqueles praticam quando conseguem colocar a mão nos recursos públicos, que são gerados por todos nós!!! Afinal, pagamos impostos, antes de mais nada, para gerarmos gordos 'fundos' para mensalões, superfaturamentos e pagamentos/provimentos megalomaníacos de parlamentares e governantes deste país??? Eles são a ‘realeza’ e nós os 'servos da gleba'...? Qual é...??

Eu quero os jornalistas fazendo a função deles, sim!! Governante e político não é rei, nem pai, nem mãe - eles devem estar a serviço de sua nação, e não se colocarem no papel de donos das coisas públicas! A coisa pública é PÚBLICA - TODOS NÓS contribuímos para que ela exista; por isto é que, ao fazermos nosso imposto de renda, somos chamados de CONTRIBUINTES!! Quem contribui tem o direito de saber aonde a grana cedida está indo; e, claro, não poderão ser os 'gastadores oficiais' aqueles que nos 'informarão' a ‘verdade verdadeira’ acerca do destino desses recursos todos, juntados a partir de um sem número de brasileiros contribuintes.

Mídia amordaçada quer dizer FARRA NÃO FISCALIZADA. Não nos esqueçamos – esses indivíduos da vida pública são sustentados por nós, contribuintes, para administrarem o país – nem mais, nem menos. Devem, sim, satisfações por seus atos; não se podem negar, não, a esclarecer escândalos e fatos suspeitos que os envolvam, durante seus mandatos e gestões! Caramba, eles não são nossos patrões! São nossos MANDATÁRIOS – isto quer dizer que têm, a partir de nosso voto, uma espécie de ‘procuração política’ para governarem/administrarem o país EM NOSSO NOME. Eles não têm que ficar isentos de fiscalização e averiguação midiática, porque nos devem satisfação, sim, sim, sim, e sim.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

BUARQUES DO MUNDO

Com que então, o herói das músicas censuradas, trombeteiro das liberdades cidadãs, fez-se menino-propaganda dos amigos de Collors e Sarneys, endossando, sem culpa, toda essa fileira de estranhas amizades, tão bem aceitas e consolidadas por nosso atual presidente: ditadores fascínoras, praticantes implacáveis de coronelismos manjados, propineiros profissionais, primos/filhos/tios/consanguíneos de ‘gente graúda’ do alto escalão da governança pátria... - nada de novo, afinal, que seria injusto acusar o lulismo de inventar a corrupção e o oportunismo patológico no Brasil. Mas, vale repetir, porque não é para esquecer: nada de novo.

Chico Buarque de Holanda, em honrosa aparição de propaganda eleitoral, nos avisa - com propriedade de paladino satisfeito e discernimento de professor bem empossado – que Dilma ‘provou’, indiscutivelmente (leia-se, na marra), a sua competência. Para ele, parece não restar dúvidas acerca disto.

Competência é um potencial de fazer e de ser, que, de fato, ajuda a definir a consistência da identidade dos indivíduos, e também sua respeitabilidade. Dilma Rousseff está cumprindo sua agenda petista, e, por ora, vai compondo uma engrenagem partidária que certamente vai muito além dela própria. Todavia, juro que me pergunto, que engrenagem estará compondo Chico Buarque de Holanda, em face de tantas outras composições suas, geradas antes, quando reagia, e fazia reagir, ao imoral e ao anti-ético nacional...?

Sua competência para fazer músicas-ícones do repúdio às ditaduras gulosas de poder civil só se motivava pela aparição de mundos futuros e formidáveis, a surgirem depois da ‘grande libertação’, acertadamente promovida por algum 'messias' iluminado...? Afinal, será que esses intelectuais heróicos, que tanto nos souberam inspirar no passado, só sabem lidar com sonhos e devaneios adolescentes enquanto esses sonhos ainda não se tornaram possibilidades reais...? Pois que, quando o sonho é colocado em prática, os homens voltam a aparecer por inteiro – bons e maus ao mesmo tempo, e não só mestres bondosos de olhar condescendente e puramente sábio...A vida real não é um paraíso de céus perenemente azulados... e, de fato, à parte os sonhadores de mundos sempre iguais a si mesmos, dignos de Eldorados cristalizados, terá, mesmo, esta vida real, que ser monocromática, azul, azul e azul...?. A falta de diversidades é sempre prenúncio de esterilidade na Natureza, e, igualmente, de ortodoxia religiosa, seja qual seja o credo professado...

Jogar uma ditadura no chão é uma coisa. Deixar de cometer vícios culturais arraigados em alguns séculos de história e mentalidades discutíveis é outra, bem diferente...Ao fim e ao cabo, as músicas do Chico são lindas, mas a mentalidade basal do brasileiro – governante e governado – é bem a mesma contra a qual o artista se insurgiu no passado, e hoje, inconsistentemente, abraça no presente...Essa inconsistência, infelizmente, torna suas músicas mais vazias dele mesmo, menos plenas de um Chico Buarque de Holanda que soube ser firme no sonho, mas rarefeito demais na realidade.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

FOME DE NARCISO

“Não se pode ter uma democracia desenvolvida com uma educação subdesenvolvida” (Corey Booker, Prefeito de Newark, NJ).

Não é preciso ler em jornais, ou em revistas usualmente tidas como polemistas em nosso país – basta vê-lo (ou ouvi-lo) falando, de própria voz, para saber que espécie de política sectarista/maniqueísta tem procurado imputar à nação brasileira. Sua insistência na mesma ‘tecla’ foi sendo tão sistemática que não nos permitiu ter, sequer, dúvidas, sobre seu intento – Luiz Inácio Lula da Silva, antes de perseguir qualquer ‘progresso’ nacional real, buscou preparar um terreno em que se pudesse transformar em herói, em vulto público, erigido a partir do analfabetismo, mas, não obstante, continuando adepto da ignorância geral, como quem se apega a um amuleto ou a um triunfo. Uma vez que sua clientela ‘protegida’ não precise, ao que parece, de grandes alfabetizações, por que, e para que, haveria de necessitar de imprensa livre, jornais e revistas questionadoras, entre outras coisas, das ações governamentais...? Um degrau leva a outro, não resta dúvida...

Lula gosta do palco, e do poder – o que dá quase no mesmo...Ao polarizar (‘eles’ x ‘nós’), ao demarcar, restritiva e aprioristicamente, o lugar nacional do ‘BEM’ (onde ele se encontra) e o do ‘MAL’ (onde estão todos os que lançam qualquer crítica ao seu governo), reserva para si, nada mais, nada menos, que o assento redentor final, da excelência final e indiscutível – porque sim, porque ser poderoso e brincar de herói insuperável é fantástico, desde a época em que somos/fomos crianças...

Todavia, para aquém dos eventos da política humana, o que temos estampado nos cenários públicos não deixa de ser banal, sob um ponto de vista psíquico e comportamental – temos narcisismo e egocentrismo, em ativa e insaciável busca de auto-confirmação, necessidade voraz de ser o centro das atenções e aí manter-se, se possível, para sempre – sem dar espaço a outros centros de atenção, por certo (o que significaria, desnecessariamente, para ele, um exercício saudável de democracia). Agora, qualquer crítica ou oposição que se lhe faça vem ‘do lado escuro da força’..., e, lógico, deve ser combatido e impedido de permanecer lado a lado com o ‘BEM’ (que está com ele, e aí deve continuar...).

Para povos especialmente imaturos sob o ponto de vista emocional, é mais fácil não superar o narcisismo infantil e desenvolver um vício cego e compulsivo pelo poder, traduzido em ditaduras e projetos megalomaníacos de implantação do paraíso sobre a Terra – em que, certamente, as populações pouco estudadas e também emocionalmente imaturas, terão todo o prazer de acreditar.

Não há mal algum em se ter uma origem humilde e vencer socialmente - ao contrário. O que parece inadmissível é glorificar a carência cognitiva presente nessa humilde origem para, na verdade, eternizar o quanto se possa o momento do palco e da própria fama bem-sucedida.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

MÍDIA EXPIATÓRIA

" ‘Neste governo, publica-se o que quiser. A imprensa é livre, o que não quer dizer que [sic] é boa’. (...) Sem a regulação, o setor vira ‘terra de ninguém’ ” (Franklin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social). Estadão.com.br | 07 de outubro de 2010 | 16h 29.

A imprensa é livre, o que não quer dizer que seja boa... Que está havendo, pessoas? Que quer dizer, exatamente, um ministro de comunicações afirmar que o fato de a imprensa ser ‘livre’ não quer dizer que seja ‘boa’...? Estamos num regime de autoritarismo tal que o ministro de comunicações decide, em fala 'lapidar', se a imprensa é ‘boa’ ou ‘ruim’...? Um indivíduo??? Que há com as verdades desses governantes e administradores auxiliares, que se fundam empertigadamente unilateriais e repressivas?? Que noção têm eles de verdade? Verdade ‘única’, verdade de seus ‘donos’ e poderosos proferidores?? Verdade é algo que se deve pré-estabelecer/ditar para, então, ser repetido, roboticamente, como ‘verdade’...?? Vem de uma boca só, de um cérebro só, de um padrão só de ser...??! Devem ser vistos, os cidadãos, como bocós produzidos e alimentados em ‘escala industrial’, inclusive no que tange à alimentação cognitiva e cultural...?? Teremos um index papal, a nos dizer que textos devem ser proscritos, porque não ecoam as verdades ratificadas pelos avatares redentores do Brasil...?? Bem, se for assim, não será novidade.

Convivemos (para apenas lembrar o passado próximo) com a censura parida pelo Golpe Militar de 1964 por cerca de vinte anos – o beabá dessa cartilha notadamente autoritária ainda se guarda em memória fresca – livros proibidos de serem usados nas escolas, ou expostos em bibliotecas, ou vendidos em livrarias...; filmes vetados; peças teatrais vetadas; letras de músicas amordaçadas; jornais ostentando receitas de bolo para indicar “aqui jaz um desejo de notícia impedida de sair...”.

Faz bem pouco tempo, minha gente. Pouco tempo demais, para o meu gosto...Nasci na ditadura militar. Não sou rica, nem política, mas cidadã eu sou. Não elegemos governantes para que nos digam o que deve ser lido e ouvido como ‘verdade’, e o que não. Porque não elegemos gurus, orientadores espirituais, padres da nossa comunidade. Está faltando precisão nos modelos e nas condutas brasileiras deste instante de nossa história, eis aí.

Vamos definir um pouco as coisas? Pois bem, falemos primeiro da suposta ‘falta de regulação’ da imprensa, que a faria virar ‘terra de ninguém’. ‘Regulação’, num sentido geral, remete a algo chamado lei. Será mesmo que a imprensa está ‘solta’, no ‘velho oeste’ da palavra escrita e noticiosa, empunhando seus revólveres malevolentes contra os pobres seres ‘verdadeiros’ que despencaram diretamente do paraíso celeste aqui para nossa Terra de Vera Cruz...? Não, não é verdade. Existe algo chamado Código Penal Brasileiro; também um Código Civil Brasileiro, para começo de conversa. O Código Civil regulamenta os direitos civis em geral; direito civil se opõe a direito público – a imprensa livre é de autoria civil; o Diário Oficial, por outro lado, constitui imprensa pública. O Código Penal indica o que se considera delito penal, crime ou contravenção: quer dizer, se você fizer alguma coisa do jeito que está descrito nesse código, você é ‘enquadrado’ por aquele tipo penal (=a descrição do ato proibido). Também aqui, temos um código (e algumas leis complementares a ele) que descreve situações gerais que devem ser vistas como crime.

A imprensa é, em si mesma, um grande conjunto de vozes que, fundamentalmente, tem por objetivo a notícia. Ao noticiar fatos e/ou comentá-los, desde logo, há limites impostos pelo direito civil e pelo direito penal aos órgãos noticiadores – noutros termos, há parâmetros legais prévios para a atividade jornalística, na medida em que imprensa e jornalistas compõem a sociedade cidadã do país, e, como tais, devem obedecer os preceitos civis e penais de base, em vigor.

Mas há algo mais, de importante, para além e aquém da questão regulatória (=legal) da imprensa. Trata-se da própria definição de notícia, e comentário de notícia, alma desse fazer jornalístico.

O termo notícia vem do latim notitia, =‘fato que se faz conhecer, notar, perceber’; ‘noção, idéia’; ‘documento’. A notícia refere-se a fatos que são trazidos à percepção, da forma como foram colhidos – vêm à baila justamente para serem averiguados, e, por definição, tratam de indícios, dados iniciais, e não de conclusões finais (ao menos quando um tema novo aparece). Não haveria sentido em termos imprensa (livre) se ela só devesse noticiar os portanto de todas as coisas...! O órgão julgador final do Estado chama-se poder judiciário – é ele que decide as lides, os impasses sobre o que fere ou não fere as leis. A Imprensa não é órgão julgador, é órgão divulgador, a rigor, de indícios de fatos, que, então, devem ser averiguados e, eventualmente, julgados pelo poder competente.

Portanto, e por deus, chega dessa palhaçada de ‘sugerir’ que toda a imprensa nacional dever-se-á transformar em Diário Oficial...(!!). “Imprensas oficiais”, por natureza, cospem ‘versões oficiais’ sobre nós-surdos-cegos, que é em que sempre nos transformamos, quando qualquer tipo de censura é imputada sobre os órgãos de informação. Se alguém se sente lesado em seu direito, em virtude de uma ‘falsificação da verdade verdadeira’, operada pela imprensa, faça como sempre se fez: requisite a ação do judiciário, como todos os humildes mortais têm de fazer quando se vêem analogamente lesados em seus direitos. Calar a imprensa antes dela se pronunciar, com censura, é querer estar acima da lei - algo típico de Estados que devem ser devidamente nominados como Ditaduras ou Estados de Exceção.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

DEPRESSÃO É TRISTEZA?

"Com quanta tristeza se faz uma depressão?", indaga Patrícia Porchat* em artigo à revista Viver Mente & Cérebro (edição 212 / Setembro 2010), ao mesmo tempo em que cita e defende a posição de Allan Horwitz e Jerome Wakefield, que, em seu livro, A tristeza perdida, criticam “diagnósticos [de distúrbios mentais] que ignoram a relação entre os sintomas e o contexto [de vida] do paciente”. A autora se coloca contrária ao que considera a patologização do sofrimento, quando um indivíduo é diagnosticado portador de depressão.

Então – com quanta tristeza se faz uma depressão...? A rigor, com nenhuma. O intento de mesclar equivocadamente os conceitos de depressão e tristeza está muito longe de representar uma novidade - aventada por leigos (na maior parte dos casos) e, mesmo, por alguns estudiosos do mundo psíquico humano – psicólogos, e psiquiatras com maior predileção por explicações metapsicológicas dos fenômenos mentais, em detrimento das explicações neurobiológicas, propriamente ditas. Infelizmente, confundir tristeza com depressão é uma imprecisão de conduta que pode acarretar sofrimento adicional a quem já está sofrendo além da dose suportável. O indivíduo deprimido não está triste, ele está deprimido. Isto não quer dizer que seu contexto existencial não tenha nada a ver com isto; tem a ver, tanto quanto, em caso de depressão, uma atividade neuroquímica anormal, estabelecida por alterações importantes na fisiologia de alguns neurotransmissores do indivíduo, se faz presente e necessita de cuidados.

Ninguém ‘perde’ tristezas – sua chance de poder ficar triste – quando busca tratamento para uma depressão severa; ao se tratar, a pessoa deixa de estar deprimida, mas continua podendo ficar triste, normalmente, sempre que for o caso. O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, IV, ou outros que o antecederam), publicado periodicamente na América do Norte, está infinitamente longe de ser a única fonte descritiva dos distúrbios mentais, entre eles, os do humor, e, entre eles, a depressão...Inúmeros textos, de autores e professores renomados, procuram explicar às pessoas por que tristeza NÃO é depressão. Qualquer boa explicação técnica sobre depressão irá frisar, especificamente, as diferenças importantes entre um estado e outro.


Nosso comportamento, nossa personalidade, não são entes mentais que pairam no mundo interno como fantasmas alados. De fato, eles são, sim, entes mentais, e, como tais, são produto do funcionamento de um cérebro, nem mais, nem menos. Assim é que toda mente tem seu substrato morfo-fisiológico respectivo, e é a esse substrato, concreto, corporificado, que ela deve sua existência. A mente, e, com ela, o comportamento, não é uma outra entidade, paralela e 'descolada' dos esquemas neurais que a abrigam, muito ao contrário. A carne é, sim, o 'lugar' orgânico de onde emana esse processo de extrema complexidade, chamado psique

O cérebro é um órgão adaptativo por excelência – nele estão registradas todas as nossas reações importantes ao mundo externo e ao mundo interno; essa reação se dá, antes de mais nada, neuroquimicamente: em função de determinadas interações do EU com o mundo, ou do EU com ele mesmo, certas ligações (sinapses) nervosas são fortalecidas, e outras, enfraquecidas ou inibidas; a ligação entre uma célula nervosa e outra é feita através de substâncias químicas, chamadas neutrotransmissores. Perceba, então: o uso específico de nosso cérebro, em função de nossas interações existenciais, irá consolidando, ao longo do tempo, determinados ‘arranjos neurais’, e, neles, determinados mecanismos neurotransmissores; todo esse processo transforma-se em memória; uma parte dele resulta em comportamento individual, com sua dupla face – (1) ações, manifestações, idiossincrasias... e (2) padrões neurais em que esses esquemas de ação e manifestação são armazenados.

Quando o indivíduo chega a um estado de depressão importante, há sintomas inequívocos de depressão do sistema nervoso central em alguma medida – a letargia, a ausência quase que total de disposição para dar um passo, a impossibilidade de concentração quase completa, traduzem um embotamento não só da vivacidade emocional, mas também da vivacidade sensorial; a pessoa fala pouquíssimo, ou nada, não consegue manter uma conversa porque se sente, literalmente, a léguas de distância dos outros, e, não raro, diz que não os ‘escuta bem’...A pele perde o viço, os lábios esbranquiçam, os olhos tornam-se fôscos – uma vez que a pessoa não olhe muito para nada do mundo externo. Os casos de suicídio, nesta fase aguda, são inúmeros. Atentemos que, aqui, a ‘central de informação’ do indivíduo entra em colapso, de modo que ele já não é mais capaz, nesse estado, de elaborar suas tristezas ou suas alegrias – o que está em jogo, nesse caso, é uma sensação de impotência essencial para o ato de viver. E por quê...? Porque, grosso-modo, diversos grupos de neurônios dessa pessoa estão operando ‘ligações meia-boca’ entre eles, ‘frouxas’ e deficientes; o indivíduo está com seu cérebro ‘pouco ligado’, ‘pouco ativado’ – não se sente realmente dono de suas capacidades, porque, no fundo, elas estão disponíveis apenas de modo ‘parcial’.

Se um indivíduo é diabético e precisa tomar insulina, deixá-lo sem esse hormônio quererá dizer que vamos cooperar para que ele elabore o coma diabético que lhe é de direito...? Se um indivíduo tem nove graus de miopia em cada olho, deixá-lo sem seus óculos será valorizar sua ‘visão do mundo’ e permitir que, mais uma vez, ele elabore essa visão, com a legitimidade que lhe cabe...? Jaz aí, no fundo, uma concepção idealizada e falsa da Natureza. Não é porque algo ‘veio com a gente’, de nascença, que funciona ‘perfeitamente’...; mesmo a noção de perfeito precisa ser encarada com os pés na terra. A perfeição fisiológica é aquela que assegura uma qualidade de vida que, na média, é satisfatória para a pessoa – para cada pessoa.

Um diagnóstico psiquiátrico preciso e efizaz certamente terá de dar conta das duas faces implicadas pelo distúrbio psíquico eventual – (1) a face do comportamento e respectivo contexto existencial desse comportamento; (2) a face do esquema neurofisiológico que está refletindo tal contexto e comportamento. O tratamento completo, como se sabe, deverá cobrir as duas facetas, na medida em que uma está e sempre estará diretamente ligada à outra.

É preciso parar de confundir uma correção química necessária ao funcionamento neuronal com a fantasia pseudo-naturalista de que os medicamentos para depressão colorem artificialmente a realidade do paciente. A paisagem cinzenta, às vezes parda, do mundo psíquico (e cerebral) do indivíduo com depressão não é sinônimo de uma possibilidade justa de se ficar triste, tanto quanto uma perna quebrada não é sinônimo de um legítimo direito de passar pela experiência de tê-la engessada...


Marcas internas de alerta

O organismo vivo é dito auto-regulador, porque, através de um sistema de ‘sinalização’ interna, ele é capaz de engendrar ações, conscientes ou inconscientes, que possam providenciar o que for preciso para mantê-lo, efetivamente, vivo e o mais saudável possível. Os dois grandes ‘sinais adaptativos’ de que nosso cérebro dispõe são as emoções gerais, conhecidas como prazer (satisfação/saciedade das necessidades fundamentais desse organismo) e dor (alerta quanto a uma ameaça ao organismo, no todo ou em parte, caracterizado por sensações de mal-estar e desconforto). Dessas emoções principais decorrem todas as outras, todos os outros subtipos que o ser humano foi capaz de especificar para si mesmo. As dores podem ser mais propriamente ‘somáticas’, carnais, ou, podem ser psíquicas – mas não menos ‘físicas’, entretanto.

Ocorre que há diferentes níveis de dor, das mais suportáveis às mais insuportáveis...A tristeza é uma emoção ‘dolorosa’, é certo, um alerta para o indivíduo refletir sobre sua rota existencial corrente, sobre os comportamentos que podem estar cooperando para o embotamento de seu prazer de viver; mas é uma dor que se suporta, mesmo quando muito pesada. Inversamente, a depressão resulta numa dor-limite, em que o sistema psíquico está chegando perigosamente perto de um estado de ‘ruptura’ com a razão basal de existir – uma ‘desabilitação’ para ser e estar (triste, contente, com raiva...); a percepção de um desespero desfocado, pobre em razões específicas e pontuais, inunda o interior psíquico do indivíduo como um tsunami furioso, invadindo uma cidade inteira e a fazendo submergir. Nessa hora, até o medo, última defesa dolorosa da integridade física individual, se enfraquece e abre espaço para um impulso de ‘salvação final’ desse tormento, o impulso de se tirar a própria vida. O suicídio do deprimido em crise aguda constitui sua fuga desesperada de uma dor (psíquica) que ele simplesmente não consegue/conseguiu suportar.

Faço votos para que nenhum um de nós jamais cometa o pecado fatal de querer zelar pelo sofrimento depressivo de um ente querido, a fim de que ele ‘não perca’ sua depressão - e, então, se ‘perca’ de nós para sempre. É preciso ter cuidado com nossas imprecisões, nossas idealizações do mundo e de nós mesmos, nossos romantismos terapêuticos, enfim. O deprimido não está taciturno, choroso, pensando no que deu errado em sua vida; não, ele está a um passo de submergir em um poço de areia movediça – nesse estado, tudo o que ele pode fazer é estender a mão e esperar que consigam puxá-lo dali.

Depois, sim, ele poderá confrontar seus choros, seus lutos, as tantas tristezas que se acumularam em seus baús psíquicos até aí, através de processos psicoterapêuticos que o auxiliem para esse fim.


(*) Patrícia Porchat é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica (USP) e professora universitária (UNIP).

Para ver seu artigo completo:
http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/com_quanta_tristeza_se_faz_uma_depressao_.html